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Novela das seis da Globo pretende retratar as lutas feministas no início do século XX

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Eu não tinha comentado nada ainda sobre Lado a Lado, a novela das seis que estréia no dia 10 de setembro, porque estava esperando que ela entrasse no ar, ou estivéssemos nas vésperas disso. Pois bem, mas hoje o Jornal O Dia trouxe uma matéria com o título de “Em 'Lado a Lado', Marjorie e Camila Pitanga vivem mulheres inspiradas em feministas” e os autores da novela são bem claros em relação aos seus objetivos:
Numa época em que a mulher era criada para se casar e ter filhos, ficava em casa bordando e não podia aprender a ler e escrever, elas desafiaram o preconceito, as normas vigentes e foram à luta pelo direito de igualdade com os homens. Com ideias modernas demais para o final do século 19 e início do 20, as brasileiras Nísia Floresta, Chiquinha Gonzaga, Eufrásia Teixeira Leite, Tia Ciata e Júlia Lopes de Almeida fizeram história. “Todas essas mulheres foram inspirações para a gente, contribuíram com as suas trajetórias e o modo como enfrentaram as limitações impostas a elas”, diz Claudia Lage, coautora com João Ximenes Braga de ‘Lado a Lado’, próxima novela das 18h, que estreia dia 10, na Globo. (...) “A luta por liberdade individual vai ser tratada na novela tematizando um conflito bastante contemporâneo: a tentativa de conciliar o amor e o trabalho. Só que, na época, a mulher ainda tinha que conquistar esse espaço como sujeito social”, explica Cláudia Lage.
Não vi na matéria a palavra “feminista” associada à fala dos autores, tampouco seria bom rotular as mulheres citadas de “feministas”, mas, claro, o tema dos direitos das mulheres é central. É bom que essas discussões ganhem visibilidade, especialmente em tempos de backlash como os que vivemos. Como é estréia dos autores, vão querer mostrar serviço, só que não tenho lá grandes esperanças.


Eu vou acompanhar a novela, é inevitável. É bom ver que no núcleo de Camila Pitanga – o dos pobres e negros – tenhamos mulheres trabalhadoras, mas uma das fala da Marjorie Estiano me preocupa “A mulher não estudava nem trabalhava. Só existia para servir o marido e reproduzir. Mas Laura é mais libertária. E, para ela, Nísia é uma grande referência (...)”. Veja bem, essa fala se aplica nem a todas as mulheres de um determinado grupo étnico-social, muito menos a todas as mulheres brasileiras da época. Na época da novela, entre as famílias burguesas e das camadas médias, era de bom tom que suas filhas soubessem ler e escrever, se possível, tocar piano para enfeitar o salão, mesmo que o objetivo maior da educação das mulheres de uma forma geral fosse, sim, o casamento e a maternidade.

O problema dessas generalizações é que podemos cair naqueles papinhos de “Nasci na época errada”, com as patotinhas de mulheres (*infelizmente, são principalmente mulheres, as tais validadoras*) na internet achando que se nascessem antes do boom dos feminismos seriam todas ladies, espartilhadas, tomando chá da tarde e sem preocupações outras, já que outras mulheres, pobres e negras, estariam cuidando de seus filhos e limpando suas casas. Fica parecendo que a vida das mulheres, mesmo das classes sociais mais abastadas, fosse somente isso. Patrícia Pillar, a vilã-mor, vai mostrar que a vida de uma mulher em nascida poderia até orbitar a família, na medida que o poder da mesma, o sucesso do marido e dos filhos, eram o coroamente da vida de uma grande dama, mas poderia ser bem ativa politicamente falando. Enfim, o pessoal que nasceu na época errada, esquece que você poderia nascer em qualquer classe social e que mulheres pobres sempre trabalharam muito pesado. Quem gosta de séries de época deveria prestar atenção que em Downton Abbey, por exemplo, não existe só o “upstair”, ou que dêem uma olhada em Tess D’Uberville, mas é pedir demais para determinadas pessoas...


Já Camila Pitanga diz que “As questões da mulher e do racismo são contemporâneas (...)”, ora, isso contradiz a própria idéia da novela, que mostra que apesar de continuarem atuais, a questão das mulheres e dos negros já fervilhava no início do século. A atriz continua dizendo que “A novela é uma oportunidade de olhar para trás e repensar o presente. Mais importante do que mostrar o preconceito é falar da afirmação do negro na sociedade (...) Na questão da emancipação da mulher, Laura e Isabel defendem a causa mais nas ações do que no discurso. Elas exercem isso no dia a dia. E Isabel trabalha também por uma questão de sobrevivência”. Veja que “sobrevivência” é diferente de “escolha” e as lutas feministas tiveram a ver com o direito de escolha e acesso à cidadania, ao pagamento igual por igual trabalho (*coisa ainda utópica em nossos dias*), dentre outras coisas. Mulheres abastadas foram para o mercado de trabalho e lutaram pelo voto para terem o direito de ser o tal “sujeito social” que aparece na fala da autora da novela.


Enfim, espero que seja uma novela razoável, mas não aconselho ninguém a investir suas fichas achando que teremos uma novela “feminista” no ar. Primeiro, porque na apresentação já temos desenhado que será um folhetim clássico. Segundo, porque novela é obra aberta e dependente da audiência. E não aconselho, também, que ninguém se fie de que o papel dos negros na novela será preponderante. Lázaro Ramos pode engolir sem problema o fraquinho do Thiago Fragoso, mas percebam que ele tem muito mais cartaz na chamada. Camila Pitanga e Marjorie Estiano são igualmente talentosas, mas, de novo, repito, novela é obra aberta. De qualquer forma, é bom ter alguma coisa que, pelo menos, pareça progressista. Malvina anda meio apagadinha em Gabriela, então que as personagens de Estiano e Camila Pitanga venham dar uma forcinha.

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