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Comentando Frozen (Disney, 2013)

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Levei muito tempo para assistir Frozen completo.  No cinema, na época, foi impossível.  Começava a ver e acabava tendo que interromper.  Enfim, semana passada, aproveitei que estava corrigindo provas – uma das atividades mais divertidas e desagradáveis da minha vida como professora – e coloquei o filme para rolar em português mesmo.  Perde-se alguma coisa, gosto mais das músicas em inglês, mas, enfim, as dublagens da Disney normalmente recebem um cuidado maior que a (*baixa*) média atual.  Continuo não entendendo completamente a razão do sucesso do filme, mas estou disposta a levantar algumas questões ao longo desse texto.  Vamos lá!

Elsa e Anna são princesas do reino de Arendelle.  Alas são amigas, gostam de brincar juntas, mas Elsa tem um segredo, ela é capaz de manipular o frio, o gelo e a neve ao seu bel-prazer.  Um dia, durante uma brincadeira, Elsa fere sua irmã menor sem querer e a menina fica entre a vida e a morte.  Os pais das meninas correm até a vila dos trolls, seres mágicos que poderiam ajudar, em busca de socorro.  O mais velho dos trolls cura Anna, explicando que se Elsa a tivesse atingido no coração teria sido seu fim.  A criatura mágica modifica as memórias da menina e aconselha os pais a esconderem os poderes de Elsa a todo custo.



De volta ao palácio, o rei e a rainha reduzem a criadagem ao mínimo, fecham os portões para o povo, separam as duas irmãs e asseveram que Elsa não pode, em hipótese alguma, revelar seus poderes. Anos se passam e Anna sempre tentando chamar a atenção da irmã que sempre está fechada atrás das pesadas portas.  Já adolescentes, as moças perdem seus pais e começa uma contagem até o 21º aniversário de Elsa, quando as portas seriam abertas e ela coroada.

Elsa tem medo de seus poderes, de não conseguir esconder o que é.  Anna está excitada com toda a festa, as pessoas, e a possibilidade de rever a irmã, que age com uma frieza estudada.  A jovem Anna, que tem 18 anos, conhece um rapaz, o príncipe Hans das Ilhas do Sul, e rapidamente decide que o ama e quer se casar com ele.  Elsa se nega a permitir e um conflito se estabelece.  Com as muitas pressões, Elsa revela seus poderes em frente de todos mergulhando Arendelle em um inverso nunca visto.  




Acusada de bruxaria pelo Duque de Weselton, um velho ganancioso que deseja explorar o comércio com Arendelle, e temendo ferir Anna e outras pessoas, Elsa foge.  Anna, então, decide empreender uma perigosa jornada em busca da irmã.  Ela irá encontrar Elsa?  A nova rainha é realmente perigosa? O caminho é difícil e os únicos companheiros que ela acaba arranjando pelo caminho são Kristoff, um rapaz que vive da exploração do gelo, sua rena de estimação Sven e o boneco de neve Olaf, uma das criações de Elsa.

Quando criança, eu nunca consegui gostar de A Rainha das Neves, o conto que deu origem ao desenho da Disney.  O conto, resumido em livros ilustrados que estão até hoje aqui, na casa dos meus pais, era sinistro e sem os ingredientes mais tradicionais, como um final feliz, um vilão bem desenhadinho, uma princesa... Enfim, acredito que o conto – ou contos– mereçam um novo olhar, uma visita da mulher adulta que sou hoje.  



Uma das coisas que mais indignou os críticos - e muitas feministas dentre eles (*Exemplo*) - durante a produção de Frozen foram as mudanças em uma história que tinha protagonistas femininas e personagens secundários que eram, em sua maioria, também femininos, e nenhum príncipe encantado para ajudar Gerda, que acabou virando Anna em sua jornada.  Praticamente tudo foi mudado e, ainda assim, muitos dos mesmos críticos acabaram se rendendo aos encantos de Frozen.


De minha parte, começo dizendo o que mais me incomodou no filme: o reino de Arendelle.  Vejam bem, o importante da história é o elo entre as irmãs, a tentativa de superar anos de separação, mal-entendidos (*Anna acha que Elsa a abandonou e Elsa teme ferir a irmã*), o sacrifício de Anna e a reconciliação de ambas.  Só que foi criado um reino absurdo, com reis que se fecham para tudo e todos e onde a princesa, Anna, única sobrevivente da família real, sai pelo mundo em busca da irmã poderosa e hostil e diz para todo mundo “Olha, o Hans,” um ilustre desconhecido, um ninguém, “agora fica no comando até que eu volte com a rainha.”.   Sinceramente, sei que a maioria nem ligou para isso, mas como o ambiente criado mantinha um diálogo com a realidade, esse reino é a coisa mais insana que eu já vi em um filme da Disney.  Nada faz sentido, nada!  No entanto, quem se importa?


O importante de Frozen está nas relações humanas e, nesse sentido, há algo de revolucionário nele.  Se com Valente, a questão amorosa já não estava em foco, desta vez, ela é absolutamente irrelevante.  Kristoff ama Anna; a moça ama Kristoff, mas o importante são as irmãs e os sentimentos qe nutrem uma pela outra.  Se não houvesse Kristoff, se Anna fosse ajudada por outras mulheres ou fêmeas, talvez o filme crescesse ainda mais, no entanto, houve uma concessão, um papel masculino positivo para equilibrar a força das personagens femininas.  E quem lembra de Kristoff?  Olaf, o boneco que meu marido disse ser intragável e que eu achei até simpático, é bem mais relevante, porque ele é parte desse elo entre as irmãs, a lembrança da infância, das memórias apagadas de Anna.  


Frozen é revolucionário, porque exalta a amizade entre mulheres.  Isso já acontecia em A Princesa Sapo, mas havia o romance e, desta vez, temos irmãs.  Peguem as outras princesas da Disney, ou elas não têm irmãs – a maioria – ou suas irmãs são antagonistas (Cinderella), ou nulidades (A Pequena Sereia).  Agora, assim como em Avenida Brasil o motor foi a vingança e, não, a busca do amor como chave para a felicidade, em Frozen o motor é o afeto que une duas irmãs e o esforço por consertar e restaurar o relacionamento entre elas.  Houve doentes que tentaram ver em Frozen a promoção do lesbianismo (*para eles, claro, o romance entre mulheres é um problema, um crime, uma perversão*), ou de uma agenda gay, talvez, essas pessoas não tenham irmãos ou irmãs e não saibam o quanto é importante e profundo o laço que os/as une.  Frozen me parece muito mais uma celebração dos laços familiares.


Eu tenho um irmão, um único irmão, e ele é uma das pessoas mais importantes para mim.  Imagino se ele fosse a única pessoa de minha família sobrevivente, seria desesperador sabê-lo perdido.  Entendo, também, o sentimento de proteção de Elsa.  Eu sou irmã mais velha, proteger meu irmãozinho era questão de grande importância, fazer-lhe algum mal era algo que me deixava culpada.  Uma vez, quando tinha uns quatro anos, desobedeci – e levei uma palmada do meu pai por isso – e meu irmão sofreu um acidente.  Tentando correr atrás de mim e de uma amiga com seus passos trôpegos de quase bebê, ele caiu em um roseiral.  Meu desespero e culpa foram sem tamanho.  Eu entendo Elsa, ah, como entendo!  E, exatamente por isso, consigo dialogar com a personagem e tirar algo de um filme que, afinal, nada tem demais.


De resto, a melhor piada do filme, uma que critica boa parte das criações da Disney é a do casamento apressado de Anna e Hans.  Casar com alguém que conheceu agora?  Bem, a mesma piada já tinha sido feita em Encantada, que é muito legal, mas em Frozen a coisa teve um efeito mais interessante.  Trata-se de um passo adiante de Valente, construindo um novo tipo de princesa que não precisa de um príncipe a seu lado, de um homem a seu lado, para ter uma identidade própria.  Lamentavelmente, como comentei na minha resenha, o filme Cinderella representou um passo atrás.  

Outra coisa a pontuar em relação às irmãs foi a necessidade de desqualificar a relação Elsa-Anna, porque, bem, ser solidária com uma irmã é fácil, e sororidade de verdade seria mostrar-se solidária com mulheres de outras etnias, culturas ou classes sociais (*infelizmente, não achei o texto que li sobre isso*).  Menos, pessoal, menos.  Frozen é produto que não consegue deixar de ser infantil, são poucas personagens, nada de complexo de verdade, só há um flerte com questões mais profundas.  E, bem, A Princesa Sapo– que tem outros problemas – já tinha mostrado uma relação entre amigas de classes sociais diferentes, etnias diferentes, e que mostrou duas mulheres se apoiando e se ajudando, abrindo mão de alguma coisa por alguém, neste caso, outra mulher.  O normal, o comum, é ter mulheres brigando entre si, sejam elas irmãs, ou não.


E chegamos à Elsa.  Bem, ela é um X-Men e tão poderosa que até é capaz de criar vida.  Seus poderes são grandes demais, poderosos demais, e, bem, ela não tem um Professor Xavier para lhe ajudar.  De qualquer forma, pouca gente falou, pelo menos não achei nada, sobre essa possível relação da construção de Elsa com o universo Marvel... Agora, Elsa foi abraçada como um ícone gay.  E, sim, a experiência de Elsa é a mesma de muitas pessoas gays e trans. Elas precisam se esconder para sobreviver.  Por isso mesmo, Let it go é tão libertador e tantas artistas incorporaram a performance de Elsa se libertando ao seu repertório.  E, sim, eu sei que muita gente ficou traumatizada com essa música.



Enfim, pais e mães os obrigam a ficar nas sombras não porque tem desprezo por ela, mas porque temem as reações, os danos, o sofrimento para a seus filhos e filhas.  Há algo de egoísmo nisso, há um amor intenso, também.  Eu estou falando, claro, dos pais que não compreendem, mas não recriminam, ofendem, no entanto, suas condições de produção não lhes permite apoiar abertamente, reconhecer que seus filhos não se enquadram dentro da norma.  Daí, tanto sofrimento.  Talvez, mesmo filmes bobinhos como Frozen ajudem as pessoas a fazer alguma reflexão. Eu acredito nisso.


O visual de Elsa acompanha esse processo de libertação – a acusação de bruxaria não é algo a ser deixado de fora da equação aqui – e o símbolo mais importante é sempre o cabelo.  Prendê-lo, domá-lo, como em Valente, é signo de repressão, de controlar os sentimentos e desejos que cada um traz dentro de si.  Elsa antes e depois de Let it Go, uma mulher reprimida e, depois, uma sugestão de sensualidade para além até do que o filme permite  e vou explicar o motivo.



Decotes, roupa colada, rasgos, etc. Nada de novo, ela parece uma artista de cabaré, ou não?  E, ainda assim, nenhum par romântico, ela se liberta para si mesma.  Isso é, também, uma mensagem de empoderamento, ainda que eu ache que outros caminhos pudessem ser considerados aqui.  Meninas pequenas vestindo-se com o visual de Elsa pós Let it Go não é algo que eu veja como positivo, não mesmo.  Ainda assim,  Elsa é a mulher que toma seu destino nas mãos e que, na sua solidão poderia evoluir até tornar-se um monstro, mas o amor de Anna, seu sacrifício, dá um novo rumo em sua vida, representa a sua salvação.  Eu gosto dessas coisas... De novo, poderia ser um romance, mas não é.  

Faltou considerar alguma coisa?  Um... Provavelmente, sim, mas o texto já foi longe.  O filme pode ser considerado feminista?  Olha, vejo algumas questões feministas em Frozen, mas fica muito mais, assim como a questão gay, a critério de interpretação.  Já escrevi antes que é possível extrair algo de interessante, motivador, ou que gere uma boa discussão de quase todo material e Frozen não é um produto rasinho ou ruim, ainda que eu não consiga entender como o seu sucesso tornou-se tão avassalador.  E, sim, Frozen cumpre a Bechdel Rule, mas é por pouco, muito pouco, mas, ainda assim, o que todas es personagens comentam?  Elsa, ela é o motor da história.  



É isso. Se conseguir, irei rever o filme no original.  Trata-se de um produto assumidamente musical, aliás, algo que a Disney vinha evitando. É muito mais próximo dos clássicos, nesse sentido. Há músicas mesmo que nem precisavam estar lá, mas algumas são realmente bonitas e ternas.  Eu gosto da música cantada por Anna criança, em português ficou “[Você] Quer brincar na neve”. Agora, é esperar o segundo filme, que já está a caminho. É isso.  Sabe-se lá quando vou conseguir escrever outra resenha de filme... E foram duas esta semana!!!!!


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