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#JeSuisCharlie um ano depois e o caso do Ano Novo em Colônia

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Decidi (tentar) fazer um post rápido juntando dois acontecimentos distintos.  Hoje, relembramos o sangrento atentado à sede do jornal satírico de extrema-esquerda Charlie Hebdo.  A maioria de seus cartunistas foi morta sob a desculpa de que eles se divertiam ofendendo os muçulmanos e disseminando a islamofobia.  Como expliquei no meu post da época e está, também, na resenha do Manifesto Póstumo do cartunista Charb, a Charlie ria de todos: dos extremistas muçulmanos, da extrema direita católica, do simpático papa Chico, do governo socialista francês, enfim, de qualquer um.  

A sede do jornal – que não tem edição on line – já havia sido explodida antes por republicar as polêmicas charges dinamarquesas de Maomé.  Eles não recuaram e foram mortos em “nome de Deus”.  Por conta disso, nada mais justo do que a capa memorial com o criminoso ainda à solta.  Os ofendidos já começaram a gritar, inclusive o Vaticano, alguns até justificando os atentados com o “eles provocaram”.  Sim, em países onde existe liberdade de expressão deveria ser possível rir de tudo e todos, não somente dos fracos, oprimidos, e a Charlie ri de tudo de forma crítica.  Não preciso concordar com tudo o que eles publicam, posso analisar criticamente algumas charges, mas preciso reconhecer-lhes o direito de rir.  E o riso, como ressaltou Laerte, sempre é ideológico.  Fora, claro, que ateus não podem cometer blasfêmia, afinal, não crêem em divindade alguma.


O criminoso à solta é uma ironia, afinal, mata-se em nome de Deus todos os dias.  E mata-se faz muito tempo.  E todas as grandes religiões em sua cota de sangue derramado, afinal, muitos fiéis preferem trocar o papel de testemunha – da sua fé, dos preceitos deixados por seus profetas e líderes, da vontade de seu deus – pelo de advogados e, se possível, promotores, juízes e carrascos.  O fundamentalismo islâmico pode ser mais militante nesse aspecto em nossos dias, mas não podemos esquecer que, lá bem no fundinho, muitos cristãos adorariam fazer o mesmo, não fazem, porque foram devidamente socializados, porque tem muito a perder, porque, bem, tem medo de assumir as consequências.  De resto, se eu me ofendo quando os fundamentalistas são criticados, é porque bem lá no fundinho, eu concordo com eles, sinto culpa por não seguir-lhes os passos.

Continuando a falar de coisas muito desagradáveis, preciso comentar o acontecido em Colônia (121 casos até agora) e, em menor grau, em Hamburgo (53 casos até o momento) e Dusseldorf (11 registros até hoje), durante a virada do ano.  Segundo relatos, alguns assustadores, gangues formadas por vinte, trinta jovens, a maioria embriagados, assediaram, estupraram e assaltaram mulheres durante a noite de Ano Novo.  Acredita-se que eram mais de 1000 homens envolvidos, a parte que assustou muita gente, parece que eram estrangeiros, refugiados de países árabes e do Norte da África.


Não há como relevar, nem acobertar e não se deve culpar as vítimas, algo que a prefeita de Colônia, que deu-se ao direito de cobrar que as mulheres adotassem um código de conduta.  Olha, primeiro, qualquer mulher pode ser estuprada ou assediada; segundo, isso acontece, porque vivemos em uma cultura patriarcal - que atravessa tradições, legislações, etnia, e  que quiserem listar  - e ela sanciona a apropriação das mulheres pelos homens; terceiro, o que ocorreu na Alemanha foi um arrastão e quando uma coisa dessas acontece, não há para aonde correr, nem onde se esconder.  É preciso mudar a cultura, não cercear a liberdade das mulheres.  Alias, isso acontece em muitos lugares, ninguém esperava que acontecesse na Alemanha.  Os relatos lembram coisas que aconteceram na Praça Tahir, no Egito.

Como estou tentando entender como algo assim pode acontecer, isto é, uma onda de violência sexual dessas proporções em um país do primeiro mundo, vou juntar alguns ingredientes.  Vamos lá:

1. Temos o machismo estrutural, aquele que permite que os homens acreditem que as mulheres, especialmente, as desacompanhadas estão disponíveis, ou melhor, precisam estar disponíveis a qualquer assédio.   Mulher sozinha não tem dono e se o namorado/pai/irmão/marido aparece, normalmente, o pedido de desculpas vai para o homem, o ofendido, não para a mulher, que deveria se sentir lisonjeada. 


2. Persiste a disseminação de que sexo é fundamental para a felicidade das pessoas.  O chamado dispositivo da sexualidade tão bem discutido por Michel Foucault.  Tudo gira em torno do sexo e, não sem enganem, mesmo os discursos de abstinência são discursos sobre o sexo.  De resto, boa parte desses discursos apontam para a necessidade masculina de sexo.  Daí, para os homens seria algo como faça sexo, ou morra.  Se a opção é a morte, estuprar não seria algo tão abominável.

3. Some-se a isso tudo as idéias de que mulheres ocidentais são sexualmente disponíveis a qualquer homem, de moral duvidosa, definidas por sua (*falta*) de roupa etc. algo que o discurso dos conservadores religiosos islâmicos (*e alguns cristãos*) costuma reforçar, e podemos ter esse resultado aí que vimos na Alemanha. 


Para muita gente, pior do que os estupros e outros crimes contra mulheres - repito: mulheres - em praça pública é o fato de que a maioria dos agressores parecia ser estrangeira, mais falantes de línguas como o árabe.  Não li nenhum texto tentando colocar panos quentes, afinal, não ando por aí lendo veículos de comunicação ou autores muito duvidosos, mas tropecei na fala da prefeita e em um texto de um colunista português que cobrava das feministas uma posição, como se as feministas tivessem cometido os crimes... Enfim, tanto quem se preocupa mais com o que a extrema direita vai dizer, quanto os que se preocupam com o que a esquerda e as feministas não estão dizendo, esquece das vítimas e do caráter sem precedentes desses crimes de Ano Novo.

Qual a saída?  Punição. E podem me chamar de fascista, junto com o Ministro da Justiça da Alemanha, aliás, mas, se comprovado que são refugiados, imigrantes, whatever, depois da cadeia, se é que isso é previsto na lei alemã, que voltem para o país deles.  Deportaçãoé algo que está sendo discutido na Alemanha nesse momento.


Uma das coisas que minha orientadora de doutorado dizia, e que eu abraço integralmente, é que, na nossa casa, as regras são nossas. Não sei o que ela pensa do caso, mas ela dizia - e isso se referia às tentativas de confiscarem direitos das mulheres em países europeus sob o argumento de que "é a nossa cultura e/ou religião" - que não pode haver um quarto fechado em uma casa na qual as visitas ou hóspedes simplesmente instauraram o vale-tudo.  Neste caso, nem foi em um quartinho, foi na sala de estar mesmo.  Enfim, se no seu país montar gangue para estuprar mulheres é normal, problema seu, aqui não é. Essa deveria ser a lógica.  Aliá, se seu país é signatário da ONU, nem lá deveria ser.


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