Estou com uma conexão horrível e sem poder sentar no computador, fazer posts complexos no tablet, ou celular, é algo,complicado. Daí, teremos posts aleatórios, alguma coisa melhor, só no fim do dia. Enfim, no fina, do ano, é eu já estava com essa net indigente, a BBC fez uma excelente matéria sobre gordofobia. Daí, um famoso humorista, conhecido por ser um bully, decidiu fazer piada e atacou a ativista Alexandra Gurgel. Se um sujeito com milhões de seguidores ataca alguém, não pensem que a pessoa não receberá centenas (*ou mais até*) de insultos de seus minions. Foi o que ocorreu, mas Alexandra, que não deixa as coisas baratas, conseguiu alavancar uma hashtag chamada #gordofobianaoepiada e fez um vídeo resposta. Perdi tudo isso, claro, por causa da internet.
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Alexandra Gurgel, ativista contra a gordofobia. E tem um canal no YouTube maravilhoso. |
Eu já sofri com isso é não consigo superar essa mazela que é o desejo de emagrecer. Não superei. E não pense que emagrecer está ligado à saúde, ou a isso somente, mas a padrões criados no social, mutáveis ao longo do tempo. Eu engordei muito no ano passado, foi um ano de doença, pneumonia, lesões nos meus dois pés, enfim, e voltei ao limbo. 44, 46, os números que não são nem para magras, tampouco para as gordas, segundo parte do ativismo contra a gordofobia. Curiosamente, fui até hostilizada por uma ativista que me disse que gordo é quem veste a partir de 50. Segundo ela, eu não estava habilitada a falar sobre o assunto porque não era meu lugar de fala. Vê se pode?!
Desculpe, mas eu nunca vesti 50 e fui vista como gorda a vida inteira, esse aspecto ajudou a formar, ou deformar, a minha personalidade. Salvo em breves momentos de magreza, sempre fui a gorda, que, por ser gorda, não era bonita, ou bonita o suficiente. Minhas notas escolares pouco importavam e eu já ouvi toda a sorte de atrocidades, começando em casa. Uma mulher, para ser bonita de verdade, precisa ser magra. Ter uma visão crítica e histórica sobre esse rolo todo, não é suficiente para romper totalmente com o assujeitamento. Eu estou na sociedade, que é gordofóbica e machista, é não flutuando sobre ela, para além dela. O que tento fazer é não contaminar Júlia com minhas inseguranças. Espero conseguir.
E não pensem que o capitalismo não tem nada a ver com a perseguição aos gordos, nem está cego para as possibilidades de lucrar com eles. O espaço plus size não para de crescer e eu não sou nada, nem magra para a sociedade em geral, nem gorda para algumas ativistas mais agressivas. Tente se colocar no meu lugar... mas o post não é sobre mim é sobre um livro: As metamorfoses do gordo: história da obesidade.
Georges Vigarelloé um historiador francês que trabalha na linha da História das Mentalidades, isto é, como sentimentos, ideias, práticas mudam na longa duração. Curiosamente seus livros - quase todos eles - costumam sair no Brasil. Ele trabalha com temas como beleza, limpeza, estupro, o esporte, a virilidade, o corpo, enfim, e mapeia como a questão vai sendo vista com o passar do tempo. Os marcos dele, normalmente, são o final da Idade Média para os dias atuais, as fontes são francesas, em sua maioria. Enfim, todo mundo deveria ter um livro dele em casa. É um dos meus historiadores favoritos.
Em As Metamorfoses do Gordo, ele mostra como a gordura, que em francês durante muito tempo estava relacionada a nobreza, fartura, algo positivo em um mundo de desigualdades e risco de fome, foi, lentamente, passando a se associar a lentidão de raciocínio, sujeira, feiúra, dubiedade de caráter. Foi uma transformação lenta, mas quando a ciência (*e ela também muda e tem suas limitações*) passou a ser um discurso de verdade, a estigmatizacao da gordura tornou-se cada vez mais forte. Ele já tinha roçado nesta discussão no seu livro sobre a beleza, porque discutiu como no século XX a beleza feminina passou a estar cada vez mais associada a padrões sempre mais exigentes de magreza.
Ele conta casos diversos. Da dificuldade, durante muito tempo, de medir o que era gordura boa é ruim. De que a gordura só se tornava um problema quando impedia alguém, um nobre, claro, de cumprir suas funções. Fala, também, de quando esbelteza de talhe passou a ser importante, de como era difícil para um membro da nobreza levar adiante uma dieta, porque, bem, oferecer e participar de banquetes era algo inerente ao seu espaço social. O livro também comenta como a exigência da magreza, a degradação pelo "excesso" (*algo que cai variar no tempo e no espaço*) de peso era maior em relação às mulheres, do que em relação aos homens. Mas Vigarello não é um historiador feminista, ele percebe e discute essas questões, porque é um bom historiador, antes de tudo.
É isso, outro dia, posso comentar sobre gordofobia de novo, sobre minha história de vida, por assim dizer. De resto, recomendo o canal Alexandrismos, Não Sou Exposição e o texto da Lola sobre o caso.
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Coisas qualquer gordo/a pode já ter ouvido. |
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A culpa existe e é sempre sua. |
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Georges Vigarello. |
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Primeiro livro dele que li. |
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Falar de beleza é falar de magreza, também. |
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A história da virilidade tem três volumes e está disponível em português. |