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Primeiros sinais de Gordofobia na minha filha ou "não quero crescer para ser uma falsa magra"

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Estava voltando com Júlia para casa ontem e, quando estacionei o carro, ela do nada falou com uma voz meio chorosa "Eu não quero ser gorda quando crescer.  Ser gordo é feio."  Tomei um baque.  "Onde falaram isso para você?  Foi na escola?  Foi em algum desenho animado?"  Ela se esquivou, eu insisti.  "Vovó é gorda.  Você acha que a vovó é feia?"  "Não, vovó não é feia."  "Mamãe é gorda (*não vou mentir que lido bem com isso, mas nunca falei nada a respeito na frente dela*), você acha a mamãe feia?" "Você não é gorda, é só meio gorda." Daí, tive que rir.  

Foi custoso, mas ela acabou dizendo que viu que era feio e perigoso (*sim, havia isso na história*) ser gordo, porque passou uma matéria no jornal.  Júlia tem uma capacidade de observação e de memória que não raro nos surpreende.  Daí, lembrei que estava assistindo um telejornal, acho que da Bandeirantes, e houve uma matéria sobre o "perigo de ser falso magro", seja lá o que isso signifique.  Daí, ela não queria crescer e ser uma falsa magra...  


Enfim, conversei bastante com ela. Disse para ela que ela, Júlia, era normal, nem gordinha, nem magrinha, e que estava bom como estava.  Ela pediu que eu não contasse para ninguém, acho que bateu vergonha. Disse que havia pessoas de vários jeitos, que temos que cuidar da nossa saúde, que ser pesado demais pode ser um problema, mas que não é feio ser gordo, o que é feio é ser uma pessoa ruim e que eu não queria que ela fosse uma pessoa ruim.  Vamos esperar, mas vejam que uma criança de 4 anos é plenamente capaz de reproduzir esses conceitos horrorosos.  Ela estava com medo de, no futuro, se tornar aquilo que ela, sem mesmo saber por qual motivo, temia e abominava.

Engordei com três anos de idade.  Era bonito ser uma criança gordinha e me encheram de vitaminas (*e comida*), porque eu era muito magrinha.  Conforme você vai crescendo, e eu era grandalhona, a coisa deixa de parecer fofa e acabei sendo estigmatizada.  Ouvi meu pai dizer várias vezes que queria que eu fosse magra e bonita como minhas primas.   Fui mandada para uma nutricionista pela primeira vez aos 9 anos de idade.  Com 14 anos, mamãe me levou em um médico e tomei medicação para "ajudar" no emagrecimento.   

"Toda sociedade tem sua forma de torturar suas mulheres. 
Nossa forma de torturar é exigir perfeição." 
"Toda criança pequena deve ter um intenso medo de ser gorda. 
Não deveria ser desse jeito.  Esta menina deve ter o direito
de crescer sem que seu corpo seja criticado."
Nem preciso dizer do efeito daninho dessas brincadeiras.  Nunca me colocaram para fazer atividade física alguma e, bem, ser vítima de deboche nas aulas regulares de educação física era uma experiência semanal das mais degradantes.  Já flertei com a anorexia pelo menos uma vez.  Não quero nada disso para a Júlia, mas não falo sobre isso com ela, nem comento minhas inseguranças, ou fico me lamentando.  Ainda assim, ela me saiu com essa história e eu fiquei assustada.

Daí, lembrei de uma pesquisa publicada em 2015 (*não lembrava da data, mas sabia que era recente*) que apontava que crianças, especialmente meninas, de 5 anos já expressavam preocupação com seu peso (*não com sua saúde*) e queriam ser mais magras, mesmo sendo magras.  Que tinham medo de engordar.  Fiquei abalada com a tal conversa, minha menina só tem 4 anos.  Há conversas que eu esperava ter mais tarde, bem mais tarde com ela.  Já bastava esta semana ter que explicar em um combo só assédio e racismo (*a razão foi esta notícia ter passado na TV*), foi uma semana pesada, enfim... 

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