Ontem terminou a novela das seis mais elogiada dos últimos anos. Aliás, não me recordo de novela desse horário que tenha rendido tanta atenção positiva, especialmente, na internet. Mantendo uma baixa audiência durante todo o seu percurso, já que se trata de um horário ingrato, quando muita gente está na rua, saindo do trabalho, indo para a faculdade, presa em engarrafamentos, Lado a Lado angariou muitos fãs pela internet. Talvez exatamente por terem percebido isso, a trama não sofreu intervenção ou foi encurtada, como outras novelas de época que a antecederam. Fechar no Oito de Março foi simbólico, afinal, uma das questões chave na história era a luta das mulheres por sua cidadania e igualdade.
Esse último capítulo da novela, somado aos que o antecederam, talvez tenha sido dos mais coesos e bem construídos que eu já assisti. Praticamente nenhuma personagem ficou esquecida, todas as tramas foram fechadas, mesmo que não goste do fechamento de algumas delas, mistérios foram revelados, os bons recompensados e os maus punidos. Isso é novela, no sentido mais clássico do termo, e vários autores consagrados não têm conseguido finalizar de forma razoável as tramas que criam. E, sim, Camila Pitanga desfilou seu deslumbrante vestido de noiva no final, com uma improvável cerimônia presidida por um padre católico e uma mãe de santo em 1911. Mas a novela, a despeito do que muitos dos seus espectadores acreditam e da negativa dos autores, não falava do passado, ela falava do presente. Até a escolha do falar coloquial servia para marcar isso, assim como as falas didáticas e o uso repetitivo do termo “preconceito” da forma mais anacrônica possível. Isso não torna a novela ruim, muito pelo contrário, mas a tornou artificial em muitos momentos, algo que outros analistas também apontaram. Ela fluía melhor quando deixava de ser panfletária e deixava as personagens agirem e interagirem. E o elenco de Lado a Lado era muito bom. E é bom poder ver o quanto Thiago Fragoso evoluiu como ator, basta pegar seu desempenho em O Profeta e comparar. :)
No entanto, qualquer crítica que eu tenha – e nem cheguei no ponto principal – amarela quando eu vejo as chamadas de Flor do Caribe. Gosto de Walter Negrão, ainda espero ver seu remake de o Direito de Amar, mas essa coisa que vai estrear na segunda-feira, representa um tremendo retrocesso em termos de teledramaturgia. Se você pega o elenco, vê que só há um ator negro. Unzinho só! E toma Nordeste fake, praias paradisíacas, gente sarada e com roupas que deixam isso bem evidente e, o que parece que vai virar moda, militares. Sim, porque há algo de Top Gun em Flor do Caribe. E sabe o que me vem à cabeça? Trata-se de um filme gay disfarçado, mas, enfim, quem curte aquilo que o povo chama de “boys magia”, vai se sentir plenamente contemplado.
Enfim, os méritos de Lado a Lado são muitos, um deles entregar-nos uma protagonista tão rica quanto a Isabel. Uma mulher negra, batalhadora, que se fez por si mesma. Quantas “self made woman” temos em nossas novelas? Isabel teve seus momentos complicados, como a radicalização que pontuei em sue retorno da França, mas, no geral, Camila Pitanga nos ofereceu uma das melhores heroínas de novela dos últimos tempos. E, melhor ainda, Isabel não terminou com o mocinho branco, algo muito comum nas telenovelas que eventualmente tem uma heroína negra. Ela escolheu – ainda que o romance com altos baixos tenha irritado às vezes – o homem com o melhor caráter e, a despeito de toda a pressão da audiência racista (*Sim, racista, mesmo que não se dê conta disso*) para que ela ficasse com o lindo moço branco que só foi de redimir bem perto do fim da trama.
Não falo de Laura, porque continuo pensando praticamente o mesmo que escrevi no texto que atraiu tanta gente aqui para o blog. Achei o fim da picada que tanto ela, quanto Edgar, tenham demorado tanto a ficar juntos graças à recursos fracos de roteiro e que, somente no final, ela tenha acreditado que o moço não tinha recebido suas cartas. Sendo ambos tão inteligentes, conhecedores do caráter duvidoso de Catarina, essa seria a primeira desconfiança... Mas disse que não ia falar de Laura e não vou. Meu texto anterior continua valendo. E vamos ao que me incomodou muito, mas muito mesmo.
Os últimos dois capítulos foram marcados pela derrocada da vilã, Constância, interpretada brilhantemente por Patrícia Pillar. Capaz de tudo pela família, isto é, pelo controle sobre os seus e pelo poder, ela fez de tudo para prejudicar Isabel desde o início da trama. Seu castigo era certeza, mas qual seria? Eu imaginei que o ideal seria a prisão e antes que alguém diga que isso seria muito irreal, lembro que a novela foi cheia de irrealidades. Como a novela fala do passado para falar do presente, seria uma forma de marcar posição também em relação à impunidade dos poderosos, não é mesmo? No entanto, a escolha dos autores foi, ao mesmo tempo conservadora e ofensiva, especialmente em um Oito de Março. Sigam comigo:
1. Constância fez de tudo para que seu marido voltasse a ocupar uma posição de destaque na sociedade. Assunção (*e como Werner Schünemann foi mal aproveitado...*) sempre soube que a mulher tramava coisas, mas fechava olhos e ouvidos, gozando dos bons frutos. Não fosse Constância, ele teria levado a família à falência. Era igualmente racista, rejeitou o neto e coisa e tal. Só que, de repente, foi investido de todo o poder para punir a megera, sem se separar dela ou fazer com que a justiça comum fosse feita, até porque, isso seria o fim de sua carreira política.
2. Uma novela que se propõe a discutir a opressão em relação às mulheres legitimou o poder do pater familias de punir aqueles que lhe pertencem, neste caso, a esposa adúltera. Vejam bem, isso é coerente com a época, mas Lado a Lado fugiu e criticou práticas como estas o tempo inteiro. Assim, Assunção, elevado à categoria de inocente – as mulheres são sempre as perversas e culpadas – humilhou a esposa; se desfez de suas propriedades (*roupas e jóias*), que, por extensão eram dele mesmo; a fez se vestir de empregada (*maid*) e servi-lo. A roupa de “maid” é um grande fetiche e fiquei me perguntando se, já que ele queria mostrar para ela como o século XIX era bom, não deveria Constância estar descalça como uma escrava. Por fim, Constância terminou vestida em roupas ordinárias, lembrando uma penitente, e foi enviada em carroça aberta (*Ah, o cheiro de inquisição!*). A vilã era rica antes de casar, mas foi reduzida à miséria pelo marido que só voltou a ascender socialmente, porque ela, Constância usou de todos os métodos para isso sem nenhum escrúpulo. Nesse caso, valeu o por trás de um (*nem tanto*) grande homem, há uma grande mulher. Lembram do conselho da personagem de Uma Thurman em Bel Ami? Pois é...
3. Como tradicionalmente acontece, a vilã apanhou muito. Isabel bateu em Constância várias vezes e no último capítulo com vontade. É mais que sabido que mulher apanhando em novela – especialmente de outra mulher para evitar acusações de machismo – já virou um clássico. Veja quantas vezes a Wanda já apanhou em Salve Jorge. E, sim, Constância ainda foi chamada de “vadia” pela esposa de Bonifácio. “Vadia” é aquela ofensa que toda mulher vai receber em algum momento de sua vida. “santa” ou “puta”, esse xingamento é regra geral, afinal, a conduta sexual das mulheres sempre está na berlinda. O valor de uma mulher é constantemente medido pela sua conduta sexual. E, bem, colocar esse xingamento na boca de outra mulher nada tem de feminista, mas está dentro da receita de bolo da humilhação da grande vilã.
4. Constância foi rejeitada pelo neto e pelos filhos. As cenas com Laura nos últimos capítulos foram todas impecáveis. A reação da filha foi mais do que esperada e casou bem com a trama, depois de tudo que Constância fez com ela, Laura teria que ser muito boazinha para aceitar qualquer relação com a mãe. A rejeição de Elias foi forçada, abrupta. A cena toda foi muito jogada, assim como o menino desprezar a avó que tanto idolatrava sem refletir um pouco. Seria melhor construir tudo de forma gradual, com o menino descobrindo que aquilo que todos lhe diziam sobre Constância fazia sentido. Agora, o pior foi Albertinho. Homem adulto, barbado, mas que foi redimido no final (*nada contra isso*) destacando que a culpa de sua conduta desprezível durante boa parte da novela era da mãe. Assim como Assunção-pai, o filho era um pobre joguete, sem autonomia, sem identidade, culpa da bruxa. Pobres homens, não é mesmo? Ora, filhos adultos são capazes de fazer suas escolhas e a culpa de seu mal caráter não é dos pais somente, muito pelo contrário. Vide Fernando - que terminou muito bem - teve uma boa mãe, mas sempre optou pelo mal, ainda que o pai tivesse, sim, lhe provocado sofrimento, foi escolha. E duas coisinhas: aquela história de Albertinho no Exército foi a grande ponta solta da novela, ele nunca apareceu de farda, ainda que tenha dito uma ou duas vezes “sou tenente blá-blá-blá”, daí, no final, ele vira garçom. No Brasil, no início do século, um sujeito com a formação e a estampa de Albertinho, conseguiria outra ocupação sem ser servir mesas. Mas, de repente, era penitência.
É isso, Constância deveria ser punida pela Justiça, isso seria coerente com a novela e suas bandeiras, e, não, em um rasgo machista, os autores autorizarem o pai de família a exercer seus direitos de senhor sobre a esposa má. Sei que muita gente vibrou e achou ótimo, já estava fazendo analogia com a Carminha de Avenida Brasil, dizendo que Constância virou “empreguete” e dizendo que Assunção deveria dizer “me serve vadia”. Mas reflitam no significado da anulação da culpa e responsabilidade do marido e na concessão ao homem do direito de ser juiz e executor. A vilania de Constância não poderia servir de justificativa para que tudo o que a novela defendeu até agora fosse erodido em uma vingança carregada de tons machistas. Lado a Lado poderia terminar muito melhor, muito mesmo. Ainda assim, Patrícia Pillar brilhou e mostrou novamente que é uma das melhores atrizes de sua geração.