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Olimpíadas de Londres: Meus Comentários Finais

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Ainda sobre o efeito da festa, preciso registrar algumas impressões sobre esta Olimpíada, a primeira da história com mulheres em todas as delegaçãos. É preciso registrar antes de tudo que o esforço de nossos atletas, daqueles que dão seu sangue pelo esporte, com pouco ou nenhum patrocínio, precisa ser louvada. Medalha é muito bom, mas ver um atleta fazendo o seu máximo é muito melhor. É absurdo que muita gente só respeite um atleta quando ele ou ela traz medalha e não qualquer medalha, só vale se for de ouro. É esse tipo de pensamento mesquinho que se desdobrou em ataques furiosos na internet aos nossos atletas.

Esquece-se de falta de patrocínio, da falta de escolinhas de formação e investimentos constantes. Na Olimpíada de Pequim, a medalha de Maurren Maggi – primeiro ouro de uma brasileira em esporte individual – salvou o atletismo de cortes de patrocínio. A não-medalha da ginástica determinou os cortes. O centro de treinamento da seleção feminina foi dissolvido, nosso treinador foi dispensado (*para ser vitorioso com a equipe russa logo em seguida*). Quando vemos o vôlei vitorioso, tem gente que não procura saber sobre os investimentos pesados desde os anos 1980, e não somente no adulto, mas no juvenil. O vôlei, se não mudou, é o segundo esporte melhor assistido no Brasil. O centro de treinamento é um deslumbre e fica em Saquarema (RJ). Os frutos estão aí. Mas uma Sarah Menezes só conseguiu ir para a equipe de judô nacional, e receber algum patrocínio, depois que seu professor tirou do seu bolso para que ela fosse para uma competição internacional. Com a medalha, ela recebeu a atenção. E se não tivesse um professor tão abnegado e que acreditasse em seu potencial? E se não tivesse ganho a medalha? Vocês viram o desespero do Diogo do tae-kwon-do? Pois é, ele sabe o que pode acontecer (*de novo*). Eu temo pelo corajoso futebol feminino, sem estímulo, sem campeonato. Será que sem medalha olímpica os patrocínios vão aparecer? Du-vi-do!



O bolsa atleta é um programa importantíssimo, o maior de seu gênero no mundo, mas insuficiente. Se os valores na página do ministério estão corretos, a maior bolsa que é para atleta olímpico ou paraolímpico, é de R$2500. Parem e pensem nas necessidades de um atleta: transporte, alimentação, equipamentos, viagens. E só muito recentemente o governo permitiu que os atletas bolsistas pudessem acumular patrocínio. Alguém viaja para competições internacionais com R$2500? Só disputando com os melhores você consegue se aperfeiçoar. Daí, achei profundamente injusto o Thiago Pereira, medalhista de prata na natação, culpar suas colegas do feminino pelos péssimos resultados. Acusá-las de vaidade, ao invés de ressaltar a falta de patrocínio e investimentos para que nossos atletas possam treinar e disputar com os melhores. Faltou maturidade, solidariedade e consciência. O técnico do Arthur Zanetti, sim, foi direto: em quatro anos não se forma uma equipe vencedora; sem enviar os atletas para competições de ponta, eles não evoluem. Mas o Brasil é o país do futebol. E se o ouro viesse para Neymar e companhia muito provavelmente todas as outras medalhas seriam obliteradas, esquecidas, desmerecidas. Aliás, sabiam que a festa estava armada? Vice-presidente no estádio e tudo? Pois é...

Eu não vou passar a mão na cabeça de atletas que não fizeram o suficiente. Acho que a Fabiana Murer foi uma decepção. Ela não precisava ganhar, mas precisava, sim, pular. Parecia que não estava nem aí... Não gostei da postura do César Cielo. Dizer que os 100m o cansaram, que ele só vai nadar os 50m, é desculpa muito capenga. Como o Phelps nada tudo e mais um pouco? Ele é super-humano? Na outra Olimpíada, Cielo nadou o revezamento e ajudou a natação do país. Nesta Olimpíada pensou somente nele. E Cielo é atleta de ponta, bem patrocinado. Nem vou falar do cara do hipismo reclamando de falta de investimento... Só entraria em detalhes se ele estivesse falando em estimular meninos e meninas pobres e de classe média a praticarem o hipismo, apoiando-os em um esporte que, hoje, é para poucos privilegiados. Quando vejo a capitã da seleção de hóquei inglesa fraturar o maxilar, operar e voltar para jogar, ou a jogadora da Nova Zelândia que voltou para jogar com a cabeça quebrada, fico comparando com a história do cansaço e do vento. Não estavam preparados? Faltou garra. Não é somente no futebol masculino que essas coisas acontecem, não. E veja, repito, não estou pedindo medalha, estou pedindo aplicação, garra e, sim, aquele patriotismo bobo que aflora nas Olimpíadas. E, durante e depois, é preciso, sim, assumir a culpa e meter o dedo na ferida.


A Confederação de Boxe e Ginástica quiseram capitalizar em cima de vitórias individuais, dizendo que foi fruto da boa administração e os atletas – que deram seu sangue – se manifestaram. Essa é a atitude que pode fazer diferença, que pode mudar a situação para as próximas Olimpíadas, não criticar as colegas, como o Thiago Pereira da natação fez. Uma Olimpíada é uma vitrine, é lá que o atleta precisa mostrar-se, seja para se vender como produto, para divulgar a modalidade, para inspirar novos atletas. Infelizmente, a maioria dos brasileiros não consegue acompanhar o mundo dos esportes, porque as TVs e jornais falam de futebol e, se sobrar tempo, de outros esportes. Eu tento acompanhar algumas coisas, leio as notícias que posso, mas nem sempre é possível acompanhar o que realmente está acontecendo. Eu só fui saber detalhes mais dramáticos do que aconteceu com a equipe feminina de ginástica e vôlei já nas Olimpíadas. Que Natália Falavigna vinha de uma lesão, no dia de sua luta. Que a nossa medalhista pioneira no boxe – Adriana Araújo – tinha ouvido dos cartolas da Confederação de Boxe que ela não merecia estar na seleção, quando ela recebeu sua medalha. Olha, é muito descaso com nossos atletas. E queremos medalha (*de ouro*), nos tornamos especialistas instantâneos. É muito triste isso.

Eu queria terminar registrando meus parabéns para todos os que competiram e que deram o melhor de si, ganhando o perdendo. Quem viu a Natália Falavigna disputar mancando (*depois revelou-se que ela fraturou o pé na luta*), assim como o Diogo, sabe que eles deram o seu melhor. Lutarem até o fim, mesmo em desvantagem, eu me orgulho deles. Quase chorei com os irmãos Falcão. Nunca uma medalha me pareceu tão injusta quanto a prata do Esquiva Falcão. Eu queria que ele entregasse o ouro nas mãos de seu pai. Eu queria um filme sobre essa família. Parabéns para Arthur Zanetti, que, quietinho, manteve os nervos no lugar. Sim, é o psicológico que derruba muitos brasileiros. Para os judocas – Sarah Menezes, Felipe Kitadai, Mayra Aguiar, Rafael Silva – e para a técnica leoa das mulheres. Vocês foram espetaculares. Para os irmãos Esquiva e a Adriana Araújo, que vocês possam brilhar em 2016. Para a espetacular equipe de vôlei feminino e seu técnico, Zé Roberto. As mulheres de ouro começaram, sim, muito mal, mas se tornaram gigantes contra todas as expectativas. As minhas eram as piores. Eu tenho trauma, confesso. Esperava o ouro dos homens, que foram displicentes no último jogo, e terminaram suplantados por uma equipe igualmente brilhante. Eles também estão de parabéns, mas podiam, sim, voltar com o ouro no peito. Para a valorosa Yane do pentatlo. Lembro de uma entrevista dela de anos atrás dizendo que não tinha dinheiro para comprar as roupas de competição e sua mãe é que fazia em casa. Para todos os outros medalhistas, também. Aqui está o nome de todos eles e elas.


2016 vem aí e eu temo várias coisas. Temo que os investimentos nos nossos atletas e na formação continuada continuem minguados e as expectativas altas. Muita gente vai querer capitalizar com as Olimpíadas, espero que o esporte em nosso país possa ter algum lucro, também. Temo pela falta de educação do público, que vaia e xinga nos estádios e nas competições, que despeja suas frustrações e seu ódio de forma criminosa na internet. Para evitar maiores constrangimentos, seria bom o Governo começar já uma campanha educativa... Mas eu duvido. De resto, parabenizo a Record que conseguiu fazer uma transmissão acima da média, quer dizer, acima da Globo que em Pequim cortou final da cerimônia de encerramento, porque a transmissão seria feita pela concorrente. Nunca a Globo iria parar sua programação na TV aberta para enfocar esportes desconhecidos ou jogos que não fossem do Brasil. Eu assisti hóquei de grama na TV, parecia até os bons tempos da TV Manchete. Isso, claro, não quer dizer que não possam melhorar, que não pisaram na bola em alguns momentos. E mais, exclusividade em um evento como Olimpíada é um absurdo (*culpa de quem vendeu*), mas foi ótimo me libertar da Globo. E antes que alguém pergunte, não tenho TV por assinatura. Olimpíada deveria ser prioridade na TV aberta e não um luxo para quem pode (*e quer*) pagar.
P.S.1: Uma das coisas mais irritantes dessa Olimpíada foram as listas de "musas", como se todas as atletas estivessem competindo em um concurso de beleza para agradar ao olhar masculino. Para piorar, essas tais listas eram quase 100% brancas com presença mínima de atletas que fossem negras ou orientais. Dentro dessa pavorosa maré misógina, abundaram as fotos quase pornográficas das atletas. Que renderam críticas interessantes como esta aqui. Vale a visita.

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