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Comentando O Som ao Redor, o indicado brasileiro à corrida do Oscar

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Quando vi que O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, tinha sido indicado como candidato brasileiro a uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, corri atrás de um torrent para assisti-lo. Infelizmente, não conseguir ver o filme no cinema e foi a alternativa mais rápida e satisfatória.  Foi fácil encontrar um arquivo de alta qualidade e virei de sábado para domingo assistindo a película.  Considero que O Som é um bom filme, mas, sinceramente, não consegui me empolgar com ele.  Claro, que está bem acima de alguns filmes nacionais indicados nos últimos anos por terem o selo “Globo Filmes” ou um elemento supostamente apelativo para a Academia, como velhinhos e crianças.  Este, aliás, foi o caso de O Ano em que meus Pais saíram de Férias, que era muitíssimo inferior o divertido e interessante Ó, Pai, Ó.  Também, é muito melhor que O Quatrilho e O que é isso Companheiro?, dois filmes inócuos e esquecíveis, mas que chegaram até a seleção final... De qualquer forma, vamos falar um pouco de O Som ao Redor.

Em linhas gerais, a história é a seguinte: uma milícia, liderada por Clodoaldo (Irandhir Santos), oferece seus serviços aos moradores de uma rua de classe média média-alta de Recife.  Acompanhamos então o dia-a-dia e a interação entre os moradores e funcionários, assim como as mudanças na rotina e as tensões que se estabelecem por causa da presença dos milicianos na vizinhança.  O filme foca, também, na especulação imobiliária que muda a aparência da capital nordestina, com a substituição das casas aconchegantes por prédios muito mais lucrativos.  Paralelamente, o filme acompanha com maior atenção o “drama” de Bia (Maeve Jinkings), uma dona de casa entediada e atormentada pelo barulhento cachorro do vizinho.



Ouvi falar do Som ao Redor por conta da polêmica estabelecida entre seu diretor e o ex-diretor-executivo da Globo Filmes. Lá no início do ano, Kleber Mendonça Filho disse “Minha tese é a seguinte: se meu vizinho lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes, ele fará 200 mil espectadores no primeiro final de semana”.  O alvo eram as comédias produzidas pela Globo Filmes e que vêm atraindo milhares de espectadores ao cinema e ocupando salas por vários meses com produtos idênticos aos que podemos ver na TV.  Cadu Rodrigues, o ex-homem forte da Globo Filmes, desafiou o diretor a produzir e dirigir um filme e fazer 200 mil espectadores com todo o apoio da Globo Filmes, diminuindo suas capacidades para tanto.  A coisa rendeu, é claro, e a maioria das pessoas ficou do lado de Mendonça Filho, que afirmou que a qualidade de um filme não deveria ser medido pela quantidade de público que atrai.  Concordo com esta linha de argumento, mas acredito que o cinema nacional também precisa e tem espaço para comediotas que não são piores do que a média dos similares importados que são despejados em nossos cinemas.  Aliás, já falei sobre isso em outras resenhas que fiz para o blog.  Enfim, parece que Cadu Rodrigues terminou demitido e O Som ao Redor, um filme pequeno e independente, conseguiu atrair 80 mil pessoas ao cinema em seu primeiro fim de semana.  Além disso, o New York Times incluiu o filme entre os dez melhores do ano... 

Olha, eu realmente não consegui ver esse brilhantismo todo.  Já assisti filmes nacionais, mesmo da época em que o refinamento técnico de nosso cinema não tinha atingido o ponto que temos hoje, como Terra Estrangeira, que superam em muito O Som ao Redor, mas, enfim, ser credenciado por um poderoso jornal americano deve ter pesado na sua escolha.  De qualquer forma, os concorrentes eram: Colegas (*que eu pretendo pegar na locadora aqui perto de casa*), Faroeste Caboclo (*que não consegui assistir no cinema*), Gonzaga - De Pai Para Filho (*que eu gostei, mas é produto feito no formato TV mesmo*), a animação Uma História de Amor e Fúria (*que vem ganhando tudo o que é prêmio por aí*) e Meu Pé de Laranja Lima (*que eu não tenho vontade de ir atrás*).  Não sei, mas acho que Uma História de Amor e Fúria foi discriminado por ser animação... 



Voltando a O Som ao Redor, como sou do Rio, conheço bem o modus operandi das milícias que se travestem de serviços de segurança.  O fato é que muitas ruas no Rio – capital e Baixada Fluminense – tem cancelas com guaritas e tudo mais, controlando entrada e saída de pessoas, isso sem falar em comunidades sitiadas por esses bandidos, tema muito bem abordado em Tropa de Elite 2.  Não é bem isso que aparece no filme, em que três, quatro sujeitos ficam debaixo de uma tendinha tomando conta da vizinhança durante a noite.  É evidente que todos são bandidos, só que como o filme está mais preocupado em ser crônica da vidinha da classe média local, os milicianos, chamados de cães de guarda, ficam meio à margem.  

Algumas cenas relacionadas a eles, como a invasão que acontece ao quintal da casa de Bia, e a uma casa luxuosa, cujo dono viajou e onde Clodoaldo está transando com a empregada do coronel que é praticamente o dono da rua, parecem fragmentadas, inacabadas.  Fora, claro, que se eles deixassem bandidos invadirem e saquearem casas na rua, teriam sido demitidos.  Afinal, eles não estavam lá para dar segurança?  Pois é... 



O que se caracteriza bem no filme é a permanência de velhas e novas estruturas.  Apesar do crescimento econômico do Nordeste, da urbanização acelerada, o modo de vida dos coronéis continua presente, assim como o apartheid social e a luta de classes.  Seu Francisco (W.J. Solha) é o dono da rua, por assim dizer, já que monopoliza boa parte dos imóveis e, ao mesmo tempo, é dono de um velho engenho.  Sem sua aprovação, a milícia não seria contratada.  Além disso, ele adverte os cabras que seu neto, o moleque que não trabalha e arromba carros da vizinhança para manter seu vício em drogas, é intocável, ou seja, pode continuar roubando e a milícia deve reprimir os pequenos traficantes e ladrões pé de chinelo, todos negros, como a maioria dos criados que trabalham para os moradores da rua.  O próprio neto do coronel faz questão de confrontar a milícia, quando Clodoaldo tenta intimidá-lo.  Essas relações são mais que conhecidas no Brasil, é o “você sabe com quem está falando?”.  E, pior, o filme termina e ele não toma um corretivo sequer...  

No filme inteiro há uma só cena que considerei engraçada, e que tinha sido citada em alguns textos que li sobre o filme.  Reunião de condomínio para decidir o destino do porteiro idoso do turno da noite.  A maioria quer sua demissão, porque ele dorme em serviço e não é tão produtivo quanto costumava ser.  O neto de Seu Francisco, Claudio (Sebastião Formiga), que tem apartamento no prédio e atua como uma espécie de corretor de imóveis do avô, é contra, acha desumano demitir o velho.  Há algo de complacente e paternalista no seu comportamento, sua relação com os criados é meio marcada pela idéia de que eles e elas são agregados, de novo, evocando a forma de ver o mundo das velhas elites em contraste com a nova classe média, talvez.  Os outros moradores querem eficiência, tratam os criados com desprezo, e aí brota a reclamação de uma mulher “porque alguém está tirando minha Veja do plástico e lendo antes de mim”.  Nada mais classe média elitista e alienada do que assinar e/ou ler a Veja.  Esta é a mensagem.


No geral, as personagens do filme não me pareceram simpáticas, nem pobres, nem classe média, nem ricos.  Agora, Bia, a dona de casa entediada, fumante compulsiva, compradora de drogas, é, talvez, a pior de todos.  Ela quer matar o cachorro do vizinho, porque, bem, ele não a deixa dormir.  Na verdade, é sua falta do que fazer, já que sua vida orbita em torno dos dois filhos e a desatenção do marido que alimentam sua neurose.  Ela também é extremamente agressiva com a empregada negra que estragou um aparelho eletrônico comprado para atormentar o cachorro do vizinho. A cena tem como objetivo enfatizar a arrogância da nova (*imagino eu*) classe média, já que Bia faz questão de enfatizar que o aparelho é caro, importado, e a incompetência da empregada em seguir comandos simples (*a voltagem é 110, tinha que usar o transformador*), ou seja, toda a cena enfatiza a distância entre ela e a criada.  Mas morre aí, não há cena que dê continuidade ao conflito, como também não houve continuidade ou explicação para a cena em que Bia é agredida pela vizinha.  Ambas tinham comprado uma televisão nova do mesmo modelo, e, ao que parece, estavam disputando para ver quem era mais chique.  Sei lá, o caráter fragmentado do filme em alguns momentos não me parece algo planejado, fruto do estilo, mas inexperiência mesmo, afinal, é o primeiro filme de ficção do diretor.

De resto, temos o saudosismo de alguns em relação aos velhos modos de vida, com a viagem de Cláudio e sua namorada, Sofia (Irma Brown) ao engenho do avô do moço, ou a visita que fazem a uma casa antiga que será demolida para dar lugar a um prédio de 21 andares.  Assim como no engenho, eles imaginam os sons do cinema abandonado há anos, na casa, eles imaginam quem morava ali e seus hábitos.  Outro ponto de toque entre o antigo e o novo aparece no clímax do filme, quando questões referentes a velhas lutas de terra no interior e assassinatos, vêm à tona de forma surpreendente... Mas nada de spoilers, pois estragaria o prazer de quem deseja ver o filme.  


Antes de terminar, digo que O Som ao Redor cumpre a Bechdel Rule sem problemas.  Há várias personagens femininas com nomes e que conversam entre si sobre assuntos diversos, de tarefas domésticas até o cachorro do vizinho.  Afilha de Bia é uma das personagens mais críticas e observadoras, questionando inclusive o absurdo que é a necessidade d epagar segurança privada quando já se paga tanto imposto. Só que, no geral, não vi nada demais em O Som ao Redor, o considero até tecnicamente inferior a vários filmes nacionais dos últimos tempos.  E não estou pensando em grana investida, mas em narrativa mesmo.  Falta dinamismo em alguns momentos e, como enfatizei no parágrafo sobre a milícia, há cenas fragmentadas, sem continuidade.  Vejo como positivo que um filme da Globo Filmes não tenha sido o escolhido, ou um filme com clichês tolos, mas acredito que O Som ao Redor se beneficiou da polêmica e, também, do parecer do New York Times.  Sinceramente?  Acho que ainda não será este ano que chegaremos até a seleção final.  Para quem quiser olhar, aqui está a página oficial do filme.


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