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Kaoru Mori trabalhando. |
Recebi esta pergunta hoje no Twitter. Obviamente, não há uma resposta somente, tampouco, uma única razão para o sucesso das mulheres no mercado de quadrinhos japoneses. Nas minhas leituras teóricas e observações, percebo três ingredientes que possibilitaram que tal ocorresse, isto é, que as mulheres se consolidassem no mercado de mangá. Vamos lá:
1. Desde pelo menos o século XI, com Lady Murasaki e Sei Shōnagon, existe uma tradição literária feminina o Japão, mais importante ainda, mulheres que escrevem para mulheres e que, em maior, ou menor grau, conseguem sucesso, também, com os homens. Com a Revolução Meiji e as revistas literárias, havia o incentivo para que as meninas e mulheres leitoras escrevessem suas histórias e enviassem para as revistas. Ainda que não em maioria, mulheres autoras publicavam nessas revistas, algumas, com muito sucesso, como Yoshiya Nobuko. Já nos anos 1940/50, várias mulheres estavam publicando mangá, a maioria shoujo mangá, Miyako Maki, que ajudou a criar a estética shoujo. Mais uma vez, as revistas e os autores - Makoto Takahashi e Miyako Maki - estimulavam as jovens leitoras a enviarem seus próprios desenhos com as heroínas das histórias vestidas com roupas criadas por elas. Curiosamente, isso era feito nos EUA, também, mas em um contexto diferente, por assim dizer.
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Arte de Miyako Maki. |
2. Demanda. Ora, quando entramos na década de 1960, havia uma necessidade cada vez maior de mão-de-obra. Revistas seinen sendo criadas e os artistas homens sendo exigidos além da conta, afinal, as revistas eram semanais. Alguns desses autores preferiam escrever para garotos, então, quando as mulheres começaram a entrar em massa, eles não resistiram e migraram definitivamente para as revistas shounen e seinen. Cada um no seu quadrado, por assim dizer, pelo menos é isso que a gente vê olhando por alto.
3. Ao mesmo tempo, as leitoras cresciam e se tornavam cada vez mais exigentes e detalhistas. E aí, acontecia isso aqui: “(...) quando as artistas mulheres começaram, você sabe, Ueda Toshiko, Hasegawa Machiko, Miyako Maki, e outras, imediatamente ficou claro que as meninas estavam realmente atraídas pelo trabalho das mulheres quadrinistas. Olhando para o trabalho [delas], eu não consigo dizer qual a diferença, mas algo era transmitido (...)”. (Akira Maruyama, editor sênior de uma grande revista shoujo, em entrevista para Jennifer Prough) [1] Meninas começaram a preferir as autoras, talvez, porque elas falassem melhor a sua língua, fossem mulheres, às vezes, muito jovens ainda, como suas leitoras. Pensem, especialmente, que a sociedade japonesa era extremamente gendrada e já estava mais que consolidada uma cultura visual e literária shoujo, graças às revistas literárias que perdiam espaço para o mangá. Esse feedback para as editoras, também fez diferença.
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Capa de Riyoko Ikeda para a Margaret. |
A partir daí, as revistas femininas começaram a adotar um formato diferente, de semanais para quinzenais e, hoje, um grande número é mensal mesmo. Revistas semanais de shoujo (*e, depois, josei*) morreram. Segundo li, anos atrás, as leitoras eram muito exigentes em relação ao desenho, especialmente, das personagens, aos pequenos detalhes, e coisas que aumentavam a carga de trabalho. Como sei que só li isso em um lugar , não lembro mais onde e não estou em casa para ir tentar recuperar a referência, por favor, não tomem como verdade.
É isso. Hoje, algumas mangá-kas são estrelas do shounen e do seinen. Talvez, algumas pessoas nem saibam que um mangá "para garotos" que curtem muito é feito por uma mulher. Das mangá-kas que se especializaram em shounen mangá a mais famosa é Rumiko Takahashi, mas Hiromu Arakawa não fica muito atrás, mas ela produz shoujo, também. Kaoru Mori, por exemplo, acho que nunca fez shoujo ou josei, ainda que a revista na qual publica, a Harta, não seja lá muito tradicional.
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Arte de Kaoru Mori. |
No fim das contas, é um outro mundo editorial, não que não exista desigualdade de gênero, mas acho que mesmo em premiações mais gerais, seria impossível não haver a obra de uma autora indicada, menos ainda um babaca iria falar que não há mulheres com carreira sólida o suficiente para merecerem menção.
[1] PROUGH, Jennifer S. Shōjo Manga in Japan and Abroad In: TONI, Johnson-Woods (ed.) Manga. An Anthology of Global and Cultural Perspectives. London: Continuum, 2010.